PROBLEMAS A VALOR INICIAL

AuthorSergio Luis Lopes Verardi
Date2017-03-21T19:12:27
Projectc080523f-46a7-4b81-b5eb-4dd3fa67ee6e
Location2.2.Problemas a Valor Inicial.sagews
Original file2.2.Problemas a Valor Inicial.sagews

PROBLEMAS A VALOR INICIAL

O que é um Problema a Valor Inicial?


Em problemas reais, frequentemente estamos interessado em obter uma solução $y(x)$ de uma equação diferencial mas de maneira que $y(x)$ também satisfaça certas condições adicionais prescritas, ou seja, condições que são impostas à função incógnita $y(x)$ e a suas derivadas em um ponto específico $x_0$.
Formalmente, então, podemos definir um Problema a Valor Inicial (denotado por PVI) da seguinte maneira:

Definição


Em um intervalo I contendo o ponto $x_0$ um Problema a Valor Inicial de Ordem n consiste em encontrar a solução de uma equação diferencial de ordem $n$ sujeita a $n$ condições especificadas em $x_0$, ou seja: $$Resolver:\ \frac{d^n y}{dx^n}=f(x,y,y',\cdots,y^{(n-1)})$$ $$Sujeita\ a:\ y(x_0)=y_0,\ y'(x_0)=y_1,\cdots,y^{(n-1)}(x_0)=y_{n-1}$$ onde $y_0,y_1,\cdots,y_{n-1}$ são constantes reais arbitrárias e denominadas Condições Iniciais.

Em situações práticas, resolver um PVI de ordem $n$ consiste, frequentemente, em encontrar uma família de soluções de $n$ parâmetros e, em seguida, usar as condições iniciais para determinar as $n$ constantes nesta família. Com isto, obtemos uma solução particular definida em algum intervalo I contendo o ponto inicial $x_0$.
A expressão condições iniciais vem da Física onde, em muitos problemas, a variável independente é o tempo $t$ e $y(t_0)=y_0$ e $y'(t_0)=y_1$ representam a posição e a velocidade do corpo em algum instante inicial $t_0$.

Caso Particular: PVI de Ordem 1

Para ilustrar concretamente o conceito de Problema a Valor Inicial, consideremos dois casos particulares que correspondem à maioria dos problemas a serem tratados neste curso; inicialmente, o PVI de ordem 1 cuja expressão geral é: $$Resolver:\ \frac{dy}{dx}=f(x,y)$$ $$Sujeita\ a:\ y(x_0)=y_0$$ Considere a EDO de ordem 1 $y'=y$, cuja família de soluções é dada por $y=ce^x$.
Agora, definimos um primeiro PVI impondo a condição inicial $y(0)=3$. Substituindo $x=0$ e $y=3$ na expressão da família de soluções, determinamos a constante arbitrária $c$ para este PVI específico: $$y=ce^x\Rightarrow 3=ce^0\Rightarrow c=3$$ Portanto, obtemos a solução particular $y=3e^x$. A seguir, definimos um segundo PVI impondo a condição inicial $y(1)=-2$; então: $$y=ce^x\Rightarrow -2=ce^1\Rightarrow c=-2e^{-1}$$ e a solução particular correspondente é $y=-2e^{x-1}$
Os gráficos das duas soluções particulares e dos pontos correspondentes às condições iniciais são mostrados a seguir (usando o Sage).
x = var('x')c = var('c')y = c*exp(x)P = Graphics()
P += plot(y.substitute(c==-2*exp(-1)), x, -1, 2, ymin=-5, ymax=10)P += point((0,3),size=40)P += point((1,-2),size=40)P.show()
A partir do gráfico, podemos concluir que o PVI de Ordem 1 possui uma interpretação geométrica simples: a curva correspondente à solução particular, obtida pela imposição da condição inicial, passa pelo ponto correspondente a essa condição inicial.
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Caso Particular: PVI de Ordem 2

A expressão geral de um PVI de ordem 2 é: $$Resolver:\ \frac{d^2y}{dx^2}=f(x,y,y')$$ $$Sujeita\ a:\ y(x_0)=y_0,\ y'(x_0)=y_1$$ Considere a EDO de ordem 2 $x''+16x=0$, cuja família de soluções é dada por $x=c_1\cos{4t}+c_2\sin{4t}$.
Agora, definimos um PVI impondo duas condições iniciais $x(\frac{\pi}{2})=-2$ e $x'(\frac{\pi}{2})=1$. Como sabemos, substituindo estas duas condições iniciais na expressão da família de soluções, determinamos as duas constantes arbitrárias: $$-2=c_1\cos{2\pi}+c_2\sin{2\pi}\Rightarrow -2=c_1+0\Rightarrow c_1=-2$$ A segunda condição inicial é imposta sobre a derivada de $x$; então, diferenciando $x$ obtemos: $x'=-4c_1\sin{t}+4c_2\cos{t}$. Substituindo a segunda condição inicial, temos: $$1=-4c_1\sin{2\pi}+4c_2\cos{2\pi}\Rightarrow 1=0+4c_2\Rightarrow c_2=\frac{1}{4}$$ Portanto, obtemos a solução particular $x=-2\cos{4t}+\frac{1}{4}\sin{4t}$. O gráfico dessa solução particular é mostrado a seguir (usando o Sage) mas, antes disto, exploremos alguns aspectos que serão importantes para estabelecermos a interpretação geométrica do PVI de ordem 2. A segunda condição inicial foi imposta como $x'(\frac{\pi}{2})=1$. Do Cálculo Diferencial sabemos que a derivada $x'(t_0)$ pode ser interpretada geometricamente como a inclinação da reta tangente à curva que representa a função, no ponto $t_0$. É simples calcular essa reta: $r(t) = x'(t_0)t+b=x'(\frac{\pi}{2})t+b=1t+b$. Impondo que essa reta passe pelo ponto $t_0$, determinamos o parâmetro $b$, ou seja: $r(\frac{\pi}{2})=-2=\frac{\pi}{2}+b\Rightarrow b=-2-\frac{\pi}{2}$. Portanto, a reta tangente no ponto $t_0=\frac{\pi}{2}$ é dada por $r(t)=t-2-\frac{\pi}{2}$. Agora, podemos traçar o gráfico da solução particular junto com a reta tangente.
t = var('t')c1 = var('c1')c2 = var('c2')y = -2*cos(4*t)+(1/4)*sin(4*t)P = Graphics()P += plot(y, t, -0.5, 2, ymin=-3, ymax=3)P += point((pi/2,-2),size=40)rt = t -2 - pi/2P += plot(rt, t, 1, 2, ymin=-3, ymax=3)P.show()
A partir do gráfico, podemos concluir que o PVI de Ordem 2 também possui uma interpretação geométrica simples: a curva correspondente à solução particular não só passa pelo ponto correspondente a essa condição inicial mas, também, a inclinação da curva é igual à derivada da solução nesse ponto (dada pela segunda condição inicial)..
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Existência e Unicidade


Cientistas e engenheiros descrevem uma grande variedade de problemas reais através de um PVI. Então, é essencial que esse PVI não só tenha uma solução mas que essa solução seja única. Observe que, se existirem várias soluções, não podemos prever o comportamento futuro do sistema, o que inviabilizaria boa parte das atividades da Engenharia, por exemplo.

Em outras palavras, estamos diante de duas questões fundamentais no estudo de equações diferenciais ou, mais precisamente, de problemas a valores iniciais, as questões de existência e unicidade da solução do PVI:

Pense no PVI de ordem 1 do ponto de vista geométrico. Existe alguma curva solução que passa pelo ponto $(x_0,y_0)$? E quando podemos ter certeza que existe exatamente uma curva que passa por $(x_0,y_0)$?

Felizmente, para PVI de Ordem 1, podemos contar com um teorema que estabelece as condições que são suficientes para garantir a existência e a unicidade de uma solução (também existe um teorema para PVI de ordem 2, que será enunciado mais tarde).

Teorema: Existência de uma Solução Única para PVI de Ordem 1


Seja $R$ uma região retangular no plano-$xy$ definida por $a\leq x\leq b$ e $c\leq y\leq d$, que contém o ponto $(x_0,y_0)$ em seu interior. Se $f(x,y)$ e $\partial f/\partial y$ são contínuas em $R$, então existe algum intervalo $I_0:(x_0-h,x_0+h),\ h>0$, contido em $[a,b]$ e uma função única $y(x)$, definida em $I_0$, que é solução do PVI de Ordem 1, dado por $\frac{dy}{dx}=f(x,y),\ y(x_0)=y_0$

Observe a simplicidade dos critérios do Teorema: basta que $f$ e $\partial f/\partial y$ sejam contínuas (o que é simples de verificar) para que tenhamos certeza de que existe uma solução e ela é única. Aqui, a prova deste teorema não será fornecida, mas vamos aplicá-lo a um exemplo concreto.
Exemplo
Voltemos ao PVI discutido anteriormente: $y'=y,\ y(0)=3$. Neste caso, $f(x,y)=y$ e $\partial f/\partial y=1$, que são funções contínuas em todo o plano-$xy$. Portanto, mesmo sem resolver o PVI, podemos concluir que existe uma solução e ela é única (neste caso, o intervalo de definição é $(-\infty,\infty)$).

Comentários sobre o Teorema


As condições (de continuidade) estabelecidas pelo Teorema são condições suficientes mas não são necessárias !
Isto quer dizer que quando $f$ e $\partial f/\partial y$ são contínuas em uma região retangular $R$ sempre decorre que uma solução do PVI existe e é única. Entretanto, se as condições do Teorema não forem válidas, qualquer coisa pode acontecer. O PVI pode ter uma solução e essa solução pode ser única; por outro lado, podem existir várias soluções ou, então, nenhuma solução. Quando as condições do Teorema não valem, ele simplesmente não garante nada a respeito da existência e unicidade da solução.

Problemas a Valores de Contorno


Até agora, discutimos apenas Problemas a Valor Inicial, cuja característica principal é que as condições iniciais são prescritas em um único ponto $x_0$. Por exemplo, no PVI de ordem 2, prescrevemos o valor da função e de sua derivada no mesmo ponto; com esta imposição, determinamos as duas constantes arbitrárias da família de 2 parâmetros, que é solução do PVI.

Podemos, portanto, construir uma outra classe de problemas prescrevendo duas condições em dois pontos diferentes; é outra maneira de determinar as duas constantes arbitrárias ! Por exemplo, prescrevemos $y(1)=0$ e $y(5)=10$ ou, então, $y(\pi/2)=0$ e $y'(\pi)=1. Este tipo de condição é denominado condição de contorno. Uma equação diferencial junto com condições de contorno constitui um Problema a Valores de Contorno (PVC).
Claro que, quando a EDO é de ordem 1, temos apenas uma constante arbitrária e, assim, todos os problemas são do tipo PVI. Para EDOs de ordem maior do que 1, podemos ter tanto PVI quanto PVC e muitos problemas da Ciência e da Engenharia são formulados como PVC.