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EQUAÇÕES DIFERENCIAIS COMO MODELOS MATEMÁTICOS

Modelos Matemáticos


Uma característica essencial da abordagem científica de fenômenos físicos, biológicos, sociológicos e econômicos é descrevê-los em termos matemáticos. A descrição matemática de um fenômeno ou de um sistema é denominada modelo matemático.

Neste tópico veremos que muitos modelos matemáticos são expressos através de equações diferenciais. Em particular, aprenderemos como formular modelos matemáticos em algumas situações simples. Mais tarde, quando já tivermos aprendido os métodos de solução de equações diferenciais voltaremos a estes modelos.

O ponto de partida da construção de um modelo matemático é a identificação das variáveis envolvidas no problema. Normalmente, nem todas as variáveis são incorporadas. Outro componente essencial é formular hipóteses sobre o comportamento do sistema que desejamos descrever.

Um modelo matemático é sempre uma simplificação da realidade; entretanto, os modelos podem ser sucessivamente refinados de modo a descrever o problema de maneira cada vez mais precisa e realística. Por exemplo, nos cursos iniciais de Física, quando se estabelecem as leis do movimento, normalmente desprezamos a força de atrito ou resistência do ar ao movimento de um corpo. No entanto, um engenheiro que precisa prever com precisão a trajetória de um projétil, deve levar em consideração a resistência do ar (e vários outros fatores), ou seja, deve trabalhar com um modelo mais refinado.

Ao dizer que desejamos descrever o comportamento de um sistema, normalmente isto significa entender como esse sistema evolui ou muda ao longo do tempo. O objeto matemático que representa taxas de variação, como sabemos, é a derivada; consequentemente, é natural que muitos modelos matemáticos envolvam equações diferenciais.

Uma vez formulado o modelo matemático, é preciso resolver a EDO (ou sistema de EDOs). Se for possível, comparamos a solução obtida com dados experimentais ou fatos conhecidos sobre o fenômeno. Se os erros forem significativos, o modelo precisa ser alterado, por exemplo, levando em conta outras variáveis ou alterando as hipóteses sobre o comportamento do fenômeno.

Uma consequência deste processo é que o modelo matemático fica cada vez mais complexo, vale dizer, as equações diferenciais envolvidas são cada vez mais complexas e as chances de se conseguir uma solução explícita diminuem; neste ponto, soluções numéricas passam a ser necessárias.

Dinâmica de Populações


Talvez a primeira tentativa de descrever matematicamente o crescimento populacional humano tenha sido feita por Thomas Maltus, no século 18. Sua hipótese principal é a de que, em um dado tempo, a taxa de crescimento da população de um país é proporcional à população total naquele mesmo tempo. Assim, quanto mais indivíduos existem em um tempo tt, mais existirão no futuro.

Essa hipótese é muito simples de descrever em termos matemáticos. Se P(t)P(t) denota a população total no tempo tt, então: dPdtPoudPdt=kP \frac{dP}{dt}\propto P\quad\quad ou\quad\quad \frac{dP}{dt}=kP onde kk é uma constante de proporcionalidade.

É claro que se trata de um modelo excessivamente simples; por exemplo, não leva em consideração muitos fatores que podem influenciar o aumento ou a diminuição populacional, como imigração e emigração. Mesmo assim, foi capaz de prever com precisão a população dos Estados Unidos no período 1790-1860.

E ainda é utilizado para modelar o crescimento de pequenas populações em intervalos de tempo curtos (como uma cultura de bactérias em uma placa de Petri).

Decaimento Radiativo


O núcleo atômico é composto de protons e neutrons; algumas combinações são instáveis, o átomo se transforma em outro átomo. São chamados de átomos radiativos.

A hipótese principal do modelamento do decaimento radiativo é assumir que a taxa dA/dtdA/dt com que o núcleo de uma substância decai é proporcional ao número de núcleos que ainda restam, num dado tempo tt. Consequentemente, dAdtAoudAdt=kA \frac{dA}{dt}\propto A\quad\quad ou\quad\quad \frac{dA}{dt}=kA Observe que a equação diferencial que descreve o decaimento radiativo é a mesma da dinâmica populacional. O que muda é a interpretação dos símbolos e das constantes de proporcionalidade. Para o crescimento populacional, devemos ter k>0k>0 (derivada positiva); para o decaimento radiativo, k<0k \lt 0 (derivada negativa).

Esta mesma EDO aparece em vários outros problemas: crescimento de capital com taxa de juros anual continuamente composta, meia-vida de um fármaco, reações químicas de ordem 1, etc. Observe, finalmente, que na verdade estamos diante de um Problema a Valor Inicial já que, em situações reais, desejamos prever o que ocorre a partir de um instante no qual conhecemos a população ou o número de átomos na amostra radiativa. Normalmente, definimos esse instante inicial como sendo t0=0t_0=0. Em consequência, prescrevemos condições iniciais do tipo P(0)=P0P(0)=P_0 e A(0)=A0A(0)=A_0

Lei de Newton do Resfriamento/Aquecimento


Esta lei experimental estabelece que a taxa de variação da temperatura de um corpo é proporcional à diferença entre a temperatura do corpo e a temperatura do ambiente em torno desse corpo. Se T(t)T(t) representa a temperatura do corpo no instante tt e TmT_m é a temperatura ambiente, então a Lei de Newton é> dTdtTTmoudTdt=k(TTm) \frac{dT}{dt}\propto T-T_m\quad\quad ou\quad\quad \frac{dT}{dt}=k(T-T_m) Por razões que não serão discutidas aqui mas relacionadas ao sentido de propagação do calor, a constante de proporcionalidade é tomada como k<0k \lt 0.

Propagação de Doenças Contagiosas


A propagação de doenças contagiosas em uma comunidade se dá pelo contato entre pessoas. Representemos o número de pessoas que já contraíram a doença por x(t)x(t) e o número de pessoas que ainda não foram expostas por y(t)y(t). Uma hipótese razoável é que a taxa com que a doença se propaga, dx/dtdx/dt seja proporcional ao número de encontros (ou interações) entre esses dois grupos. Uma maneira de representa esse número de encontros é o produto xyxy. Portanto, dxdtkxy\frac{dx}{dt}\propto kxy. Precisamos, ainda, eliminar yy para termos uma EDO em xx, apenas. Se a população tem nn indivíduos e introduzimos uma pessoa infectada podemos escrever x+y=n+1x+y=n+1, ou seja, y=n+1xy=n+1-x. Substituindo na EDO, vem: dxdt=kx(n+1x) \frac{dx}{dt}=kx(n+1-x) Claramente, a condição inicial é x(0)=1x(0)=1. Observe, ainda, que a EDO deste modelo é não linear (Porque?)

Reações Químicas


Existem reações químicas que são governadas por EDOs do mesmo tipo que vimos no decaimento radiativo e no crescimento populacional (são chamadas reações químicas de primeira ordem).
Existem, porém, reações químicas mais complexas que levam a EDOs mais complicadas. Um exemplo é a reação CH3Cl+NaOHCH3OH+NaClCH_3Cl+NaOH\rightarrow CH_3OH+NaCl.
Neste caso, a taxa de reação é proporcional ao produto das concentrações das duas substâncias químicas do lado esquerdo da equação. Vamos supor, então, que uma molécula da substância AA se combina com uma molécula de BB para formar uma molécula de CC. Em um instante tt, vamos denotar a quantidade de moléculas produzidas de CC por XX. Além disso, chamemos de α\alpha e β\beta as quantidades de AA e BB no instante inicial t=0t=0. Então, no instante tt, as quantidades de AA e BB que ainda não foram convertidas em CC são, respectivamente, αX\alpha-X e βX\beta-X. Resulta, então, a seguinte EDO: dXdt=k(αX)(βX) \frac{dX}{dt}=k(\alpha-X)(\beta-X) Esta é uma reação química de segunda ordem. Novamente, a EDO é não linear.

Circuitos Elétricos em Série


Considere um circuito LRC em série consistindo, portanto, de um indutor (L), um capacitor (C) e um resistor (R). A corrente elétrica no circuito, no instante tt, é denotada por i(t)i(t) e a carga elétrica no capacitor, por q(t)q(t). Pela segunda lei de Kirchhoff, a voltagem impressa E(t)E(t) em um circuito fechado deve ser igual à soma das quedas (ganhos) de voltagem ao longo do circuito. Da Física, sabemos que as variações de voltagem nos elementos do circuito são:
  • Indutor: LdidtL\frac{di}{dt}
  • Resistor: iRiR
  • Capacitor: 1Cq\frac{1}{C}q
Por outro lado, sabemos que a corrente está relacionada à carga através de i=dq/dti=dq/dt e, logo, no indutor a queda de voltagem é Ld2qdt2L\frac{d^2q}{dt^2} e, no resistor, RdqdtR\frac{dq}{dt}. Então, somando as três voltagens e igualando a E(t)E(t), temos: Ld2qdt2+Rdqdt+1Cq=E(t) L\frac{d^2q}{dt^2}+R\frac{dq}{dt}+\frac{1}{C}q=E(t) Concluímos, assim, que um circuito LRC em série é modelado por uma EDO de segunda ordem na carga elétrica, qq.

Corpos em Queda


Este é um exemplo com o qual certamente todos estão familiarizados. A segunda lei de Newton, dada informalmente pela fórmula F=maF=ma, governa o movimento de um corpo em queda livre. FF é a resultante das forças aplicadas ao corpo (consideraremos apenas o peso P=mgP=mg), mm é a massa do corpo e aa, sua aceleração durante o movimento.
Suponha, agora, que o corpo seja lançado do alto da Torre de Pisa. Perguntamos: qual é a posição s(t)s(t) do corpo em relação ao solo, no instante tt? Primeiro, sabemos que a aceleração é a segunda derivada do deslocamento, ou seja, a=d2s/dt2a=d^2s/dt^2. Segundo, as forças são grandezas vetoriais, tendo direção e sentido; por isso, precisamos definir um sentido para o movimento. Vamos supor que o sentido seja positivo para cima; logo, para sermos consistentes, a força peso, que aponta para baixo, deve ser escrita como P=mgP=-mg. Então, de F=maF=ma, deduzimos a equação diferencial: md2sdt2=mgoud2sdt2=g m\frac{d^2s}{dt^2}=-mg\quad\quad ou\quad\quad \frac{d^2s}{dt^2}=-g Portanto, obtemos uma EDO linear de ordem 2 com coeficientes constantes. Novamente, de fato, trata-se de um PVI. Devemos especificar ss e ss' no instante inicial t=0t=0 mas, note que ss' nada mais do que a velocidade. Por isso dizemos que devemos prescrever a posição e a velocidade iniciais, por exemplo: s(0)=s0s(0)=s_0 e s(0)=v0s'(0)=v_0. Mais tarde, aprenderemos formalmente métodos para resolver EDOs de ordem 2, mas a EDO que acabamos de obter é tão simples que basta integrá-la duas vezes para encontrar a solução (aplicando as condições iniciais para especificar as constantes de integração). O resultado é a conhecida fórmula do movimento retilíneo uniformemente acelerado: s(t)=s0+v0t12gt2s(t)=s_0+v_0t-\frac{1}{2}gt^2.

Corpos em Queda e Resistência do Ar


Observe que, no modelo anterior, o fato de que a massa do corpo não aparece na equação diferencial tem uma consequência: dois corpos, mesmo que de massas muito diferentes, caem da mesma maneira, isto é, se as condições iniciais são iguais, s(t)s(t) é o mesmo e os dois corpos chegam ao solo juntos. Ocorre que, na prática, uma bala de canhão e uma pena não chegam juntas ao solo; é necessário fazer alguma alteração no modelo matemático. Uma possiblidade é identificar outras variáveis do problema e incorporá-las ao modelo; neste caso, especificamente, significa perceber que o ar opõe resistência ao movimento e é diferente para diferentes corpos. Resta um aspecto: como modelar a resistência do ar? Uma hipótese normalmente feita é que a resistência do ar é proporcional à velocidade do corpo em um dado instante, a constante de proporcionalidade é diferente para diferentes materiais.
Então, adotando o sentido positivo como sendo para baixo (o contrário do modelo anterior) podemos escrever: P=mgP=mg e Rar=kvR_{ar}=-kv. Como F=ma=mdvdtF=ma=m\frac{dv}{dt} obtemos: mdvdt=mgkv m\frac{dv}{dt}=mg-kv que é uma EDO de ordem 1 na variável dependente vv. Podemos, também, escrever essa mesma EDO na variável dependente ss, levando em conta que v=dsdtv=\frac{ds}{dt} mas, agora, a EDO se torna de segunda ordem: md2sdt2+kdsdt=mg m\frac{d^2s}{dt^2}+k\frac{ds}{dt}=mg

Conclusão


Todos os modelos matemáticos, brevemente discutidos acima, descrevem um sistema dinâmico, isto é, um sistema que muda com o passar do tempo. Um sistema dinâmico pode ser definido como um sistema que consiste de um conjunto de variáveis dependentes do tempo, denominadas variáveis de estado, e de uma regra que permite determinar o estado do sistema (passado, presente ou futuro) em termos de um estado prescrito em algum instante t0t_0.

Um sistema dinâmico pode ser classificado em discreto ou contínuo no tempo; neste curso, abordaremos apenas sistemas contínuos, para os quais todas as variáveis são definidas em um intervalo contínuo de tempo. Para os sistemas contínuos, a regra ou modelo matemático é uma equação diferencial ou um sistema de equações diferenciais. O estado do sistema em um instante tt é o valor das variáveis de estado nesse instante; as condições iniciais do problema são, portanto, o estado do sistema em um instanto t0t_0.

Observe que, por esta definição, um PVI de ordem 1 possui apenas uma variável de estado; o PVI de ordem 2 possui duas. Por exemplo, no modelo de corpos em queda, ss e ss' são variáveis de estado mas ss'' não é.

Nem todos os sistemas estudados neste curso são sistemas dinâmicos; veremos também sistemas estáticos para os quais o modelo também é uma equação diferencial.