Contact
CoCalc Logo Icon
StoreFeaturesDocsShareSupport News AboutSign UpSign In
| Download
Views: 120

MODELAGEM MATEMÁTICA E APLICAÇÕES

No item Equações Diferenciais como Modelos Matemáticos, vimos uma variedade de exemplos nos quais equações diferenciais de ordem 1 constituiam o modelo matemático de descrição de fenômenos em diversas áreas.
Agora, estamos em condição de resolver alguns desses modelos, tanto lineares quanto não lineares.
Serão discutidos vários problemas; apenas alguns foram apresentados em sala. Após estudar as soluções apresentadas aqui, resolver a lista Problemas Propostos - Parte 3 ficará mais simples.

MODELOS LINEARES


Comecemos nosso passeio pelas aplicações das equações diferenciais de ordem 1 pelos modelos descritos por equações lineares.

Problemas de Crescimento e Decaimento: Teoria


O Problema a Valor Inicial dxdt=kx, x(t0)=x0\displaystyle\frac{dx}{dt}=kx,\ x(t_0)=x_0 onde kk é uma constante de proporcionalidade, é um modelo matemático de diversos fenômenos. Em aplicações biológicas, especialmente, a taxa de crescimento de certas populações de bactérias e microorganismos, ao longo de períodos de tempo curtos, é proporcional à população presente no instante tt. Conhecendo a população no instante inicial t0t_0, podemos usar a solução da EDO acima para prever a população no futuro (t>t0t>t_0). Em Física e Química, as chamadas reações de primeira ordem (uma reação cuja taxa ou velocidade é diretamente proporcional à quantidade xx da substância que ainda não foi convertida) também é um exemplo.

Exemplo 1: Crescimento Bacteriano


Uma cultura contém, inicialmente, P0P_0 bactérias. Após 1 hora, o número de bactérias medido é 32P0\frac{3}{2}P_0.
Se a taxa de crescimento é proporcional ao número de bactérias P(t)P(t) presente no instante tt, determine o tempo necessário para o número de bactérias triplicar.

Solução


O primeiro passo na resolução deste problema é traduzir as afirmações do enunciado em expressões matemáticas; vamos assumir que a unidade de tempo conveniente, neste caso. é horas e o instante inicial é t=0t=0:

  • taxa de crescimento proporcional ao número de bactérias no instante tt - isto define a equação diferencial : dPdtP(t)dPdt=kP(t)\displaystyle\frac{dP}{dt}\propto P(t)\Rightarrow \displaystyle\frac{dP}{dt}=kP(t)
  • a cultura contém, inicialmente, P0P_0 bactérias - isto é uma condição inicial : P(0)=P0P(0)=P_0
  • após 1 hora, existem 32P0\frac{3}{2}P_0 bactérias na cultura - é uma condição adicional que será usada para determinar kk : P(1)=32P0P(1)=\frac{3}{2}P_0

Portanto, acabamos de formular um Problema a Valor Inicial. Podemos resolver esse PVI reconhecendo que a EDO é de tipo linear (mas observe que ela também é separável).
Reescrevendo a EDO na forma padrão das equações lineares: dPdtkP=0\displaystyle\frac{dP}{dt}-kP=0 concluímos que o Fator Integrante é ekte^{-kt}; multplicando a EDO por esse fator e integrando, temos ddt[ektP]=0ektP=c\frac{d}{dt}\left[e^{-kt}P\right]=0\quad\Rightarrow e^{-kt}P=c Portanto, a solução geral da EDO é P(t)=cektP(t)=ce^{kt}.
Aplicando a condição inicial, determinamos o valor particular de cc: P0=P(0)=ce0P(t)=P0ektP_0=P(0)=ce^0\Rightarrow P(t)=P_0e^{kt}.
Ainda falta encontrar o valor de kk. Sabemos que, em t=1t=1, P(1)=P0e(k)(1)=32P0ek=32k=ln32=0.4055P(1)=P_0e^{(k)\cdot (1)}=\frac{3}{2}P_0\Rightarrow e^k=\frac{3}{2}\Rightarrow k=\ln{\frac{3}{2}}=0.4055. Então, para o nosso PVI específico P(t)=P0e0.4055tP(t)=P_0e^{0.4055 t}
Queremos encontrar o tempo tt no qual o número de bactérias triplicou em relação ao número inicial, P0P_0; denotando esse instante por t=T3t=T_3, vem P(T3)=P0e0.4055T3=3P0e0.4055T3=30.4055T3=ln3T3=ln30.40552.71 hP(T_3)=P_0e^{0.4055 T_3}=3P_0\Rightarrow e^{0.4055 T_3}=3\Rightarrow 0.4055T_3=\ln{3}\Rightarrow T_3=\frac{\ln{3}}{0.4055}\approx 2.71\ h.
Comentários

  • Observe que o número inicial de bactérias não aparece na determinação do tempo necessário para triplicar, ou seja, tanto faz se temos 100 ou 1.000.000 de bactérias no início, o tempo será o mesmo.
  • A solução da EDO é proporcional a ekte^{-kt}. Consequentemente, se k>0k>0, a solução cresce e se k<0k\lt 0 a solução decresce. Em outras palavras, problemas de crescimento são caracterizados por valores positivos de kk e problemas de decaimento, por valores negativos de kk.

Datação por Carbono: Teoria


Em Física, a meia-vida é uma medida da estabilidade de uma substância radiativa e é definida como o tempo que leva para o número de átomos se reduzir à metade da quantidade inicial.
Quanto maior a meia-vida, mais estável é a substância. Por exemplo o isótopo de urânio, U-238, tem meia-vida de 4.500.000.000 anos, ou seja, após 4.5 bilhões de anos, metade de uma quantidade de U-238 é transformada em chumbo Pb-206.

Por volta de 1950, Libby e outros descobriram um método para determinar aproximadamente as idades de materiais fósseis, usando o isótopo radiativo do carbono, C-14. A teoria por trás da datação de carbono é baseada no fato de que o C-14 é produzido na atmosfera pela ação de raios cósmicos sobre o nitrogênio N-14. A razão entre as quantidades de C-14 e C-12 (isótopo estável) na atmosfera é constante e, como consequência, é a mesma em todos os organismos vivos. Quando um organismo morre, a absorção de C-14 (que se dá por respiração, alimentação, fotossíntese, etc) é interrompida. Assim, comparando a quantidade proporcional de C-14 de um fóssil com a proporção encontrada na atmosfera, é possível obter uma boa estimativa de sua idade. A meia-vida do C-14 é aproximadamente 5730 anos.

O PVI correspondente é o mesmo do problema anterior (afinal, é apenas um problema de decaimento) dAdt=kA, A(0)=A0\displaystyle\frac{dA}{dt}=kA,\ A(0)=A_0

Exemplo 2: Idade de um Fóssil


Um osso fossilizado contém 0.1% de sua quantidade original de C-14. Determine sua idade.
Solução

Por analogia com o Exemplo 1, a solução da EDO de decaimento radiativo é A(t)=A0ektA(t)=A_0e^{kt}.
Precisamos determinar o valor da constante de decaimento kk; para isso, usamos o valor da meia-vida do C-14: A02=A(5730)=A0e(k)(5730)5730k=ln12=ln2k=(ln2)/5730=0.00012097\displaystyle\frac{A_0}{2}=A(5730)=A_0e^{(k)\cdot (5730)}\Rightarrow 5730k=\ln{\frac{1}{2}}=-\ln{2}\Rightarrow k=-(\ln{2})/5730=-0.00012097.
Observe que obtivemos k<0k\lt 0, consistente com o fato de ser um decaimento.
Portanto, a solução da EDO é A(t)=A0e0.00012097tA(t)=A_0e^{-0.00012097t}.
Pelo enunciado do problema, no instante atual, tt, o osso possui atualmente 0.1% da quantidade original de C-14. Matematicamente, A(t)=0.001A0A(t)=0.001A_0 e, portanto, 0.001A0=A0e0.00012097t0.00012097t=ln0.001=ln1000t=ln10000.0001209757100 anos0.001A_0=A_0e^{-0.00012097t}\Rightarrow -0.00012097t=\ln{0.001}=-\ln{1000}\Rightarrow t=\frac{\ln{1000}}{0.00012097}\approx 57100\ anos Por curiosidade, o método do C-14 de Libby (que ganhou o Nobel de Química de 1960) foi bastante melhorado, desde então, permitindo precisão de 100.000 anos. Usando datação baseada em potássio-40 e argônio-40 é possível estimar idades de vários milhões de anos.

Lei de Newton do Resfriamento/Aquecimento: Teoria


A lei empírica de Newton do resfriamento/aquecimento de um corpo é expressa matematicamente como uma EDO de ordem 1 e linear: dTdt=k(TTm)\displaystyle\frac{dT}{dt}=k(T-T_m) onde kk é uma constante de proporcionalidade, T(t)T(t) é a temperatura do corpo para t>0t>0 e TmT_m é a temperatura do ambiente em que o corpo está. Em grande parte das situações, podemos assumir TmT_m constante.

Exemplo 3: Resfriamento de um Bolo

Quando um bolo é retirado do forno, sua temperatura é 150C150^{\circ}C. Três minutos depois sua temperatura já é de 90C90^{\circ}C. Quanto tempo vai levar para o bolo atingir a temperatura ambiente de 20C20^{\circ}C?
Solução
Como é dito que a temperatura ambiente é 20, escrevemos Tm=20T_m=20. Portanto, precisamos resolver o PVI: {dTdt=k(T20)T(0)=150\left\{\begin{array}{l} \displaystyle\frac{dT}{dt}=k(T-20)\\T(0)=150 \end{array}\right. Trata-se de uma EDO linear e separável. Para variar um pouco a resolução, vamos fazê-la por variáveis separadas: dTT20=kdtlnT20=kt+c1T(t)=20+c2ekt\displaystyle\frac{dT}{T-20}=kdt\Rightarrow \ln{|T-20|}=kt+c_1\Rightarrow T(t)=20+c_2e^{kt}
Aplicando a condição inicial T(0)=150T(0)=150, determinamos c2c_2: 150=20+c2c2=130150=20+c_2\Rightarrow c_2=130. Portanto, T(t)=20+130ektT(t)=20+130e^{kt}
Ainda falta determinar a constante kk, o que conseguimos usando a condição adicional do enunciado T(3)=90T(3)=90, ou seja, T(3)=20+130e3k=90e3k=70/130k=13ln713=0.206346T(3)=20+130e^{3k}=90\Rightarrow e^{3k}=70/130\Rightarrow k=\frac{1}{3}\ln{\frac{7}{13}}=-0.206346. Então, T(t)=20+130e0.0.206346tT(t)=20+130e^{-0.0.206346t}.

Examinemos a solução. Matematicamente, a temperatura só atingirá 20 graus para tt\rightarrow\infty, ou seja, para um tempo muito longo. Mas quão "longo" é um tempo longo? Na prática, simplesmente. podemos calcular a temperatura para alguns valores de tt e verificar se são suficientemente próximas de 20 (ou fazer um gráfico). Por exemplo, substituindo t=30t=30 minutos na fórmula, obtemos T=20.27T=20.27; quando t=35t=35 minutos, T=20.09T=20.09, ou seja, praticamente na temperatura ambiente.

Circuitos Elétricos em Série: Teoria


Da Física básica sabemos que, para um circuito elétrico contendo apenas um resistor e um indutor (circuito RL), a segunda Lei de Kirchhoff estabelece que a variação de voltagem através do indutor (LdidtL\frac{di}{dt}) e do resistor (RiRi) é igual à voltagem aplicada ao circuito (E(t)E(t)). Assim, obtemos uma equação diferencial linear para a corrente elétrica (i(t)i(t)): Ldidt+Ri=E(t)L\frac{di}{dt}+Ri=E(t) onde LL e RR são constantes denominadas indutância e resistência.
Por outro lado, para um circuito RC (capacitor + resistor), a variação de voltagem através do capacitor de capacitância CC é q(t)C\frac{q(t)}{C}, onde qq é a carga elétrica armazenada no capacitor. Neste caso, a segunda lei de Kirchhoff dá: Ri+1Cq=E(t)Ri+\frac{1}{C}q=E(t). Como a corrente é i=dq/dti=dq/dt, obtemos a equação diferencial linear de ordem 1: Rdqdt+1Cq=E(t)R\frac{dq}{dt}+\frac{1}{C}q=E(t)

Exemplo 4: Circuito RL em Série

Uma bateria de 12 volts é conectada a um circuito em série com indutância 1/2 henry e resistência 10 ohms. Determine a corrente, ii, sabendo que a corrente inicial é zero.
Solução
Substituindo os valores dados na EDO do circuito RC, temos 12didt+10i=12\frac{1}{2}\frac{di}{dt}+10i=12 com condição inicial i(0)=0i(0)=0. Vamos resolver por Fator Integrante. Multiplicando a EDO por 2, obtemos a forma padrão das equações lineares, com P(x)=20P(x)=20. O Fator Integrante é, então, e20te^{20t}. Consequentemente, ddt[e20ti]=24e20t\frac{d}{dt}\left[e^{20t}i\right]=24e^{20t}. Integrando ambos os lados e isolando ii: i(t)=65+ce20ti(t)=\frac{6}{5}+ce^{-20t}. Aplicando a condição inicial, encontramos c=65c=-\frac{6}{5} e a corrente elétrica é: i(t)=6565e20ti(t)=\frac{6}{5}-\frac{6}{5}e^{-20t}

Exemplo 5: Solução Geral do Circuito RL em Série

No Exemplo 4, encontramos a solução do problema a valor inicial e considerando todos os parâmetros constantes, incluindo E(t)E(t). Mas podemos resolver a EDO sem essas restrições e, em seguida, simplesmente substituir os valores numéricos dados.
Então, refaçamos a solução do circuito RL.
Solução
A forma padrão da EDO linear é: didt+RLi=E(t)L\displaystyle\frac{di}{dt}+\frac{R}{L}i=\frac{E(t)}{L}. Portanto, P(t)=RLP(t)=\displaystyle\frac{R}{L} e f(t)=E(t)Lf(t)=\displaystyle\frac{E(t)}{L}. O Fator Integrante é igual a eP(t)dt=eRLt\displaystyle e^{\int P(t)dt}=e^{\frac{R}{L}t}. Consequentemente, ddt[eRLti]=eRLtLE(t)\displaystyle\frac{d}{dt}\left[e^{\frac{R}{L}t}i\right]=\frac{e^{\frac{R}{L}t}}{L}E(t). Integrando ambos os lados: eRLti=1LeRLtE(t)dt+ce^{\frac{R}{L}t}i=\frac{1}{L}\int e^{\frac{R}{L}t}E(t)dt+c. Isolando ii, temos a solução geral: i(t)=eRLtLeRLtE(t)dt+ceRLti(t)=\displaystyle\frac{e^{-\frac{R}{L}t}}{L}\int e^{\frac{R}{L}t}E(t)dt+ce^{-\frac{R}{L}t} Observe que, agora, a voltagem aplicada, E(t)E(t) pode variar no tempo e, por isso, ficou dentro da integral. No caso particular em que E(t)=E0E(t)=E_0 é constante, obtemos: i(t)=E0eRLtLeRLtdt+ceRLt=E0eRLtLLReRLt+ceRLti(t)=\displaystyle\frac{E_0e^{-\frac{R}{L}t}}{L}\int e^{\frac{R}{L}t}dt+ce^{-\frac{R}{L}t}=\displaystyle\frac{E_0e^{-\frac{R}{L}t}}{L}\frac{L}{R}e^{\frac{R}{L}t}+ce^{-\frac{R}{L}t}. Portanto: i(t)=E0R+ceRLti(t)=\frac{E_0}{R}+ce^{-\frac{R}{L}t} Substitua a condição inicial e as constantes dadas no Exemplo 4 e verifique que a resposta é a mesma.
Observamos, também, que quando tt\rightarrow\infty, o segundo termo tende a zero, ou seja, ceRLtce^{-\frac{R}{L}t} é um termo transiente e E0/RE_0/R é a corrente de estado estacionário.

MODELOS NÃO LINEARES


Examinemos, agora, alguns modelos não lineares, mais especificamente, modelos que descrevem dinâmica de populações e reações químicas. Ambos são de interesse de engenheiros de alimentos. O problema de inativação de bactérias e outros microorganismos em alimentos é um problema de dinâmica de populações e reações químicas dos mais variados tipos ocorrem no processamento de alimentos.

Dinâmica de Populações: Teoria


Vimos, anteriormente, o modelo para crescimento exponencial. Se P(t)P(t) é o tamanho da população em um instante tt, este modelo assume que dPdt=kP\displaystyle\frac{dP}{dt}=kP, para algum k>0k>0.
Um conceito importante é a taxa de crescimento relativa ou específica: dP/dtP\frac{dP/dt}{P}. Vemos, assim, que no modelo exponencial essa taxa é constante: dP/dtP=k\displaystyle\frac{dP/dt}{P}=k. Entretanto, para longos períodos de tempo, raramente o modelo exponencial corresonde a situações reais, por causa da presença de outros fatores que restringem o crescimento populacional.

Então, é necessário construir modelos matemáticos mais complexos e realistas. O ponto de partida é a noção de taxa de crescimento relativa que acabamos de introduzir; ao invés de considerá-la constante pode-se assumir que seja uma função da população PP; assim, dP/dtP=f(P)dPdt=Pf(P)\frac{dP/dt}{P}=f(P)\Rightarrow \frac{dP}{dt}=Pf(P) Se f(P)f(P) não for constante, a EDO que acabamos de escrever é, claramente, não linear. Diferentes escolhas para f(P)f(P) correspondem a diferentes modelos matemáticos da dinâmica populacional.

Equação Logística


Suponha que um dado ambiente é capaz de dar suporte a não mais do que um número fixo KK de indivíduos de uma população; essa quantidade é chamada capacidade de suporte do ambiente. Portanto, na EDO anterior, tomamos f(K)=0f(K)=0, além de assumir que f(0)=rf(0)=r. A hipótese mais simples é considerar f(P)f(P) linear: f(P)=c1P+c2f(P)=c_1P+c_2. Usando as duas condições sobre ff, encontramos c2=rc_2=r e c1=r/Kc_1=-r/K, de modo que f(P)=r(r/K)Pf(P)=r-(r/K)P. Então, a EDO fica: dPdt=P(rrKP)\frac{dP}{dt}=P\left(r-\frac{r}{K}P\right) Esta é a equação logística, elaborada pelo matemático belga Verhulst no século 19 para prever populações humanas em vários países. Alguns autores preferem mudar o nome dos parâmetros, ficando com a forma equivalente: dPdt=P(abP)\frac{dP}{dt}=P\left(a-bP\right) É interessante comparar o modelo logístico com o modelo exponencial. No modelo exponencial, o crescimento se dá indefinidamente mas, como logo veremos, no modelo logístico o crescimento tem limite, quando tt\rightarrow\infty. Se reescrevemos a EDO como dP/dt=aPbP2dP/dt=aP-bP^2, o termo não linear bP2 (b>0)-bP^2\ (b>0) pode ser interpretado como um termo de "inibição" ou "competição" que impede o crescimento ilimitado. Na maioria das aplicações, aa é muito maior do que bb. A equação logística prevê com bastante precisão os padrões de crescimento de bactérias, protozoários, mosca da fruta (Drosophila), etc.

Solução da Equação Logística


É simples verificar que a equação logística pode ser resolvida por separação de variáveis, reescrevendo a EDO como: dPP(abP)=dt\frac{dP}{P(a-bP)}=dt Agora, usamos o truque da decomposição em frações parciais. Escrevemos 1P(abP)=AP+BabP\displaystyle\frac{1}{P(a-bP)}=\frac{A}{P}+\frac{B}{a-bP} e determinamos os numeradores A,BA,B da seguinte maneira. Multiplique toda a expressão por P(abP)P(a-bP); logo, 1=A(abP)+BP1=A(a-bP)+BP. Agora, substituímos nesta equação as raízes P=0P=0 e P=a/bP=a/b. No primeiro caso, encontramos A=1/aA=1/a e, no segundo caso, B=b/aB=b/a de modo que a decomposição em frações parciais da EDO é: (1/aP+b/aabP)dP=dt\left(\frac{1/a}{P}+\frac{b/a}{a-bP}\right)dP=dt Integrando de ambos os lados: 1alnP1alnabP=t+clnPabP=at+acPabP=c1eat\frac{1}{a}\ln{|P|}-\frac{1}{a}\ln{|a-bP|}=t+c\Rightarrow \ln{\left|\frac{P}{a-bP}\right|}=at+ac\Rightarrow \frac{P}{a-bP}=c_1e^{at} Após algumas manipulações algébricas simples para isolar PP: P(t)=ac1eat1+bc1eat=ac1bc1+eatP(t)=\displaystyle\frac{ac_1e^{at}}{1+bc_1e^{at}}=\displaystyle\frac{ac_1}{bc_1+e^{-at}} Se P(0)=P0P(0)=P_0, com P0a/bP_0\neq a/b, vem que c1=P0/(abP0)c_1=P_0/(a-bP_0) e a solução geral é, finalmente: P(t)=aP0bP0+(abP0)eatP(t)=\displaystyle\frac{aP_0}{bP_0+(a-bP_0)e^{-at}}

Análise Qualitativa


A título de ilustração, algumas soluções são graficadas.
Em primeiro lugar, no gráfico, t>0t>0 e P>0P>0 uma vez que uma população não fica negativa. A reta horizontal em vermelho corresponde a P=a/b=10P=a/b=10 e, portanto, é a capacidade de suporte do ambiente.
Duas curvas são mostradas. A primeira, em azul, corresponde a P0=18P_0=18, ou seja, a população inicial é maior do que a capacidade de suporte. Observamos uma diminuição da população até se estabilizar no valor da capacidade de suporte.
A segunda curva (em verde) corresponde a P0=2P_0=2, isto é, população inicial menor do que a capacidade. Observamos um crescimento da população até atingir a capacidade de suporte.
Neste caso, podemos verificar também a existência de um ponto de inflexão da curva, como era de se esperar, já que a curva é crescente mas, a partir de certo ponto, se estabiliza. O gráfico sugere que o ponto de inflexão é P=5P=5. Na verdade, é possível mostrar que o ponto de inflexão é P=a/2bP=a/2b. Como sabemos do Cálculo, basta verificar onde a derivada segunda d2P/dt2=0d^2P/dt^2=0, o que não faremos aqui.

Exemplo 1: Propagação de Gripe em um Campus Universitário

Suponha que, após um feriado prolongado, os 1000 estudantes de um campus universitário retornam, mas um deles está com gripe. A taxa de propagação do vírus é proporcional aos "encontros" entre estudantes infectados (digamos, xx) e os que ainda não foram infectados (portanto, 1000x1000-x). Determine o número de estudantes infectados após 6 dias, sabendo que observou-se que 50 estudantes tinham contraído gripe após 4 dias.
Solução
Traduzindo as informações do enunciado em temos matemáticos, temos:

  • taxa de crescimento proporcional ao encontro de infectados e não infectados tt - isto define a equação diferencial : dPdtP(100P)dPdt=kP(1000P)\displaystyle\frac{dP}{dt}\propto P(100-P)\Rightarrow \displaystyle\frac{dP}{dt}=kP(1000-P)
  • inicialmente, apenas um estudante infectado - isto é uma condição inicial : P(0)=1P(0)=1
  • após 4 dias, 50 estudantes estão infectados - é uma condição adicional que será usada para determinar kk : P(4)=50P(4)=50

Compare a EDO que descreve o problema com a Equação Logística; verificamos que a EDO que estamos tratando é a equação logística com a=1000ka=1000k e b=kb=k.
Então, não precisamos resolver a EDO já que, logo acima, deduzimos a solução da equação logística; basta tomar essa solução e substituir os valores específicos de aa, bb e P0P_0: P(t)=(1000k)(1)(k)(1)+999ke1000kt=10001+999e1000ktP(t)=\displaystyle\frac{(1000k)(1)}{(k)(1)+999ke^{-1000kt}}=\displaystyle\frac{1000}{1+999e^{-1000kt}} Precisamos determinar o valor da constante de proporcionalidade, kk; para isso, usamos a condição adicional P(4)=50P(4)=50, ou seja: P(4)=50=10001+999e4000ke4000k=199994000k=ln199991000k=14ln19999=0.9906P(4)=50=\displaystyle\frac{1000}{1+999e^{-4000k}}\Rightarrow e^{-4000k}=\frac{19}{999}\Rightarrow -4000k=\ln{\frac{19}{999}}\Rightarrow -1000k=\frac{1}{4}\ln{\frac{19}{999}}=-0.9906 Portanto: P(t)=10001+999e0.9906tP(t)=\displaystyle\frac{1000}{1+999e^{-0.9906t}} Para determinar o número de estudantes infectados após 6 dias, basta substituir t=6t=6 na fórmula anterior: P(6)=10001+999e(0.9906)(6)=276P(6)=\displaystyle\frac{1000}{1+999e^{-(0.9906)\cdot(6)}}=276 Observe que, assintoticamente, isto é, para t+t\rightarrow +\infty, concluímos que P(t)1000P(t)\rightarrow 1000; logo, após um tempo longo, todos estarão infectados.

Modificações da Equação Logística: Teoria


Duas modificações possíveis da equação logística são obtidas somando ou subtraindo um termo constante da equação original: dPdt=P(abP)hdPdt=P(abP)+h\displaystyle\frac{dP}{dt}=P(a-bP) - h\quad\quad\quad\displaystyle\frac{dP}{dt}=P(a-bP) + h Estas equações podem servir de modelo para um local de pesca no qual os peixes são, respectivamente, retirados ou inseridos a uma taxa constante hh. Também podem servir para levar em conta a emigração ou imigração em populações humanas.

A taxa hh pode, porém, não ser constante; pode ser uma função de tt ou pode ser proporcional à população. Neste último caso, a EDO ficaria P=P(abP)cPP'=P(a-bP)-cP (c>0c>0). Uma modificação particularmente importante porque é aplicada não só no estudo de crescimento de populações mas também no crescimento de tumores e certas previsões atuariais é a equação de Gompertz: dPdt=P(ablnP)\displaystyle\frac{dP}{dt}=P(a-b\ln{P})

Reações Químicas: Teoria


Uma substância CC é formada quando duas substâncias AA e BB reagem. A reação química é tal que, para MM partes de AA (medida em gramas, por exemplo) são consumidas NN partes de BB. Isto significa que, se em dado instante tt, existem X(t)X(t) gramas de CC, foram consumidas MM+NX\displaystyle\frac{M}{M+N}X gramas de AA e NM+NX\displaystyle\frac{N}{M+N}X gramas de BB. Consequentemente, se no início da reação existiam aa gramas de AA e bb gramas de BB, no instante tt, as quantidades que ainda restam de AA e BB são, respectivamente, aMM+NXa-\frac{M}{M+N}X e bNM+NXb-\frac{N}{M+N}X.
A Lei da Ação das Massas estipula que a taxa ou velocidade de reação é proporcional justamente às quantidades restantes dos reagentes, AA e BB. Matematicamente, dXdt(aMM+N)X(bNM+NX)(MM+N)(aM+NMX)(NM+N)(bM+NNX)(αX)(βX) \begin{array}{lcl} \displaystyle\frac{dX}{dt}&\propto&\left(a-\frac{M}{M+N}\right)X\left(b-\frac{N}{M+N}X\right)\propto \left(\frac{M}{M+N}\right)\left(a\frac{M+N}{M}-X\right)\left(\frac{N}{M+N}\right)\left(b\frac{M+N}{N}-X\right)\\ &\propto&(\alpha-X)(\beta-X) \end{array} onde α=aM+NM\alpha=a\frac{M+N}{M} e β=bM+NN\beta=b\frac{M+N}{N}. Portanto, a EDO que governa a reação química é: dXdt=k(αX)(βX)\displaystyle\frac{dX}{dt}=k(\alpha-X)(\beta-X) que é uma equação não linear e chamada reação de segunda ordem.

Exemplo 2: Reação Química de Segunda Ordem

A reação entre duas substâncias A e B que formam C é tal que para cada grama de A são consumidas 4 gramas de B. Observa-se que 30 gramas de C são formadas em 10 minutos. Determine a quantidade de C no instante tt se a taxa de reação é proporcional às quantidades de A e B restantes e se, inicialmente, existem 50 gramas de A e 32 gramas de B. Qual a quantidade de C depois de 15 minutos? Interprete a solução quando tt\rightarrow\infty
Solução
Denotemos a quantidade de C no instante tt por X(t)X(t). Pelos dados do problema, X(0)=0X(0)=0 (inicialmente, a quantidade de C é zero) e X(10)=30X(10)=30 (depois de 10 minutos, existem 30 g de C).
Além disso, como a proporção é de 1 grama de A para 4 gramas de B na formação de C, se foram formadas X gramas de C, significa que foram consumidos 15X\frac{1}{5}X gramas de A e 45X\frac{4}{5}X gramas de B.
As quantidades restantes de A e B são, portanto, respectivamente, 5015X50-\frac{1}{5}X e 3245X32-\frac{4}{5}X.
Estamos prontos para escrever a EDO: dXdt(5015X)(3245X)1545(250X)(40X)=dXdt=k(250X)(40X)\frac{dX}{dt}\propto (50-\frac{1}{5}X)(32-\frac{4}{5}X)\propto\frac{1}{5}\frac{4}{5}(250-X)(40-X)=\frac{dX}{dt}=k(250-X)(40-X) Usando separação de variáveis e frações parciais (fica a cargo do estudante mostrar), vem: 1/210250XdX+1/21040XdX=kdt-\frac{1/210}{250-X}dX+\frac{1/210}{40-X}dX=kdt Integrando, ln250X40X=210kt+c1250X40X=c2e210kt\ln{\frac{250-X}{40-X}}=210kt+c_1\Rightarrow \frac{250-X}{40-X}=c_2e^{210kt} Para encontrar c2c_2 usamos a condição inicial X(0)=0X(0)=0 que resulta em c2=25/4c_2=25/4, ou seja, 250X40X=254e210kt\displaystyle\frac{250-X}{40-X}=\displaystyle\frac{25}{4}e^{210kt}.
Para encontrar kk usamos a condição extra X(10)=30X(10)=30; após a substituição e algumas manipulações algébricas, obtemos 210k=110ln8825=0.1258210k=\frac{1}{10}\ln{\frac{88}{25}}=0.1258. Finalmente: X(t)=10001e0.1258t254e0.1258tX(t)=1000\frac{1-e^{-0.1258t}}{25-4e^{-0.1258t}} Substituindo t=15t=15, vem X(15)=34.78X(15)=34.78 gramas, que é a quantidade de CC após 15 minutos e que queríamos determinar.
Substituindo tt\rightarrow\infty na expressão de X(t)X(t) vemos que X(t)=40X(t\rightarrow\infty)=40 e a reação é interrompida deixando 40 g de C; consequentemente, após esse longo tempo, restam 5015(40)=4250-\frac{1}{5}(40)=42 g de A e 3245(40)=032-\frac{4}{5}(40)=0 g de B.
Vemos, assim, que B é completamente consumida e A não tem mais com quem reagir.
As conclusões acima podem ser visualizadas no gráfico fornecido a seguir que representa a evolução X(t)×tX(t)\times t. O círculo corresponde ao valor que calculamos, X(15)=34.78X(15)=34.78, mostrando que a solução "passa" por esse ponto.