MODELAGEM MATEMÁTICA E APLICAÇÕES
No item Equações Diferenciais como Modelos Matemáticos, vimos uma variedade de exemplos nos quais equações diferenciais de ordem 1 constituiam o modelo matemático de descrição de fenômenos em diversas áreas.
Agora, estamos em condição de resolver alguns desses modelos, tanto lineares quanto não lineares.
Serão discutidos vários problemas; apenas alguns foram apresentados em sala. Após estudar as soluções apresentadas aqui, resolver a lista Problemas Propostos - Parte 3 ficará mais simples.
Agora, estamos em condição de resolver alguns desses modelos, tanto lineares quanto não lineares.
Serão discutidos vários problemas; apenas alguns foram apresentados em sala. Após estudar as soluções apresentadas aqui, resolver a lista Problemas Propostos - Parte 3 ficará mais simples.
MODELOS LINEARES
Comecemos nosso passeio pelas aplicações das equações diferenciais de ordem 1 pelos modelos descritos por equações lineares.
Problemas de Crescimento e Decaimento: Teoria
O Problema a Valor Inicial onde é uma constante de proporcionalidade, é um modelo matemático de diversos fenômenos. Em aplicações biológicas, especialmente, a taxa de crescimento de certas populações de bactérias e microorganismos, ao longo de períodos de tempo curtos, é proporcional à população presente no instante . Conhecendo a população no instante inicial , podemos usar a solução da EDO acima para prever a população no futuro (). Em Física e Química, as chamadas reações de primeira ordem (uma reação cuja taxa ou velocidade é diretamente proporcional à quantidade da substância que ainda não foi convertida) também é um exemplo.
Exemplo 1: Crescimento Bacteriano
Uma cultura contém, inicialmente, bactérias. Após 1 hora, o número de bactérias medido é .
Se a taxa de crescimento é proporcional ao número de bactérias presente no instante , determine o tempo necessário para o número de bactérias triplicar.
Solução
O primeiro passo na resolução deste problema é traduzir as afirmações do enunciado em expressões matemáticas; vamos assumir que a unidade de tempo conveniente, neste caso. é horas e o instante inicial é :
- taxa de crescimento proporcional ao número de bactérias no instante - isto define a equação diferencial :
- a cultura contém, inicialmente, bactérias - isto é uma condição inicial :
- após 1 hora, existem bactérias na cultura - é uma condição adicional que será usada para determinar :
Portanto, acabamos de formular um Problema a Valor Inicial. Podemos resolver esse PVI reconhecendo que a EDO é de tipo linear (mas observe que ela também é separável).
Reescrevendo a EDO na forma padrão das equações lineares: concluímos que o Fator Integrante é ; multplicando a EDO por esse fator e integrando, temos Portanto, a solução geral da EDO é .
Aplicando a condição inicial, determinamos o valor particular de : .
Ainda falta encontrar o valor de . Sabemos que, em , . Então, para o nosso PVI específico
Queremos encontrar o tempo no qual o número de bactérias triplicou em relação ao número inicial, ; denotando esse instante por , vem .
Comentários
- Observe que o número inicial de bactérias não aparece na determinação do tempo necessário para triplicar, ou seja, tanto faz se temos 100 ou 1.000.000 de bactérias no início, o tempo será o mesmo.
- A solução da EDO é proporcional a . Consequentemente, se , a solução cresce e se a solução decresce. Em outras palavras, problemas de crescimento são caracterizados por valores positivos de e problemas de decaimento, por valores negativos de .
Datação por Carbono: Teoria
Em Física, a meia-vida é uma medida da estabilidade de uma substância radiativa e é definida como o tempo que leva para o número de átomos se reduzir à metade da quantidade inicial.
Quanto maior a meia-vida, mais estável é a substância. Por exemplo o isótopo de urânio, U-238, tem meia-vida de 4.500.000.000 anos, ou seja, após 4.5 bilhões de anos, metade de uma quantidade de U-238 é transformada em chumbo Pb-206.
Por volta de 1950, Libby e outros descobriram um método para determinar aproximadamente as idades de materiais fósseis, usando o isótopo radiativo do carbono, C-14. A teoria por trás da datação de carbono é baseada no fato de que o C-14 é produzido na atmosfera pela ação de raios cósmicos sobre o nitrogênio N-14. A razão entre as quantidades de C-14 e C-12 (isótopo estável) na atmosfera é constante e, como consequência, é a mesma em todos os organismos vivos. Quando um organismo morre, a absorção de C-14 (que se dá por respiração, alimentação, fotossíntese, etc) é interrompida. Assim, comparando a quantidade proporcional de C-14 de um fóssil com a proporção encontrada na atmosfera, é possível obter uma boa estimativa de sua idade. A meia-vida do C-14 é aproximadamente 5730 anos.
O PVI correspondente é o mesmo do problema anterior (afinal, é apenas um problema de decaimento)
Exemplo 2: Idade de um Fóssil
Um osso fossilizado contém 0.1% de sua quantidade original de C-14. Determine sua idade.
Solução
Por analogia com o Exemplo 1, a solução da EDO de decaimento radiativo é .
Precisamos determinar o valor da constante de decaimento ; para isso, usamos o valor da meia-vida do C-14: .
Observe que obtivemos , consistente com o fato de ser um decaimento.
Portanto, a solução da EDO é .
Pelo enunciado do problema, no instante atual, , o osso possui atualmente 0.1% da quantidade original de C-14. Matematicamente, e, portanto, Por curiosidade, o método do C-14 de Libby (que ganhou o Nobel de Química de 1960) foi bastante melhorado, desde então, permitindo precisão de 100.000 anos. Usando datação baseada em potássio-40 e argônio-40 é possível estimar idades de vários milhões de anos.
Lei de Newton do Resfriamento/Aquecimento: Teoria
A lei empírica de Newton do resfriamento/aquecimento de um corpo é expressa matematicamente como uma EDO de ordem 1 e linear: onde é uma constante de proporcionalidade, é a temperatura do corpo para e é a temperatura do ambiente em que o corpo está. Em grande parte das situações, podemos assumir constante.
Exemplo 3: Resfriamento de um Bolo
Quando um bolo é retirado do forno, sua temperatura é . Três minutos depois sua temperatura já é de . Quanto tempo vai levar para o bolo atingir a temperatura ambiente de ?Solução
Como é dito que a temperatura ambiente é 20, escrevemos . Portanto, precisamos resolver o PVI: Trata-se de uma EDO linear e separável. Para variar um pouco a resolução, vamos fazê-la por variáveis separadas:Aplicando a condição inicial , determinamos : . Portanto,
Ainda falta determinar a constante , o que conseguimos usando a condição adicional do enunciado , ou seja, . Então, .
Examinemos a solução. Matematicamente, a temperatura só atingirá 20 graus para , ou seja, para um tempo muito longo. Mas quão "longo" é um tempo longo? Na prática, simplesmente. podemos calcular a temperatura para alguns valores de e verificar se são suficientemente próximas de 20 (ou fazer um gráfico). Por exemplo, substituindo minutos na fórmula, obtemos ; quando minutos, , ou seja, praticamente na temperatura ambiente.
Circuitos Elétricos em Série: Teoria
Da Física básica sabemos que, para um circuito elétrico contendo apenas um resistor e um indutor (circuito RL), a segunda Lei de Kirchhoff estabelece que a variação de voltagem através do indutor () e do resistor () é igual à voltagem aplicada ao circuito (). Assim, obtemos uma equação diferencial linear para a corrente elétrica (): onde e são constantes denominadas indutância e resistência.
Por outro lado, para um circuito RC (capacitor + resistor), a variação de voltagem através do capacitor de capacitância é , onde é a carga elétrica armazenada no capacitor. Neste caso, a segunda lei de Kirchhoff dá: . Como a corrente é , obtemos a equação diferencial linear de ordem 1:
Exemplo 4: Circuito RL em Série
Uma bateria de 12 volts é conectada a um circuito em série com indutância 1/2 henry e resistência 10 ohms. Determine a corrente, , sabendo que a corrente inicial é zero.Solução
Substituindo os valores dados na EDO do circuito RC, temos com condição inicial . Vamos resolver por Fator Integrante. Multiplicando a EDO por 2, obtemos a forma padrão das equações lineares, com . O Fator Integrante é, então, . Consequentemente, . Integrando ambos os lados e isolando : . Aplicando a condição inicial, encontramos e a corrente elétrica é:Exemplo 5: Solução Geral do Circuito RL em Série
No Exemplo 4, encontramos a solução do problema a valor inicial e considerando todos os parâmetros constantes, incluindo . Mas podemos resolver a EDO sem essas restrições e, em seguida, simplesmente substituir os valores numéricos dados.Então, refaçamos a solução do circuito RL.
Solução
A forma padrão da EDO linear é: . Portanto, e . O Fator Integrante é igual a . Consequentemente, . Integrando ambos os lados: . Isolando , temos a solução geral: Observe que, agora, a voltagem aplicada, pode variar no tempo e, por isso, ficou dentro da integral. No caso particular em que é constante, obtemos: . Portanto: Substitua a condição inicial e as constantes dadas no Exemplo 4 e verifique que a resposta é a mesma.Observamos, também, que quando , o segundo termo tende a zero, ou seja, é um termo transiente e é a corrente de estado estacionário.
MODELOS NÃO LINEARES
Examinemos, agora, alguns modelos não lineares, mais especificamente, modelos que descrevem dinâmica de populações e reações químicas. Ambos são de interesse de engenheiros de alimentos. O problema de inativação de bactérias e outros microorganismos em alimentos é um problema de dinâmica de populações e reações químicas dos mais variados tipos ocorrem no processamento de alimentos.
Dinâmica de Populações: Teoria
Vimos, anteriormente, o modelo para crescimento exponencial. Se é o tamanho da população em um instante , este modelo assume que , para algum .
Um conceito importante é a taxa de crescimento relativa ou específica: . Vemos, assim, que no modelo exponencial essa taxa é constante: . Entretanto, para longos períodos de tempo, raramente o modelo exponencial corresonde a situações reais, por causa da presença de outros fatores que restringem o crescimento populacional.
Então, é necessário construir modelos matemáticos mais complexos e realistas. O ponto de partida é a noção de taxa de crescimento relativa que acabamos de introduzir; ao invés de considerá-la constante pode-se assumir que seja uma função da população ; assim, Se não for constante, a EDO que acabamos de escrever é, claramente, não linear. Diferentes escolhas para correspondem a diferentes modelos matemáticos da dinâmica populacional.
Equação Logística
Suponha que um dado ambiente é capaz de dar suporte a não mais do que um número fixo de indivíduos de uma população; essa quantidade é chamada capacidade de suporte do ambiente. Portanto, na EDO anterior, tomamos , além de assumir que . A hipótese mais simples é considerar linear: . Usando as duas condições sobre , encontramos e , de modo que . Então, a EDO fica: Esta é a equação logística, elaborada pelo matemático belga Verhulst no século 19 para prever populações humanas em vários países. Alguns autores preferem mudar o nome dos parâmetros, ficando com a forma equivalente: É interessante comparar o modelo logístico com o modelo exponencial. No modelo exponencial, o crescimento se dá indefinidamente mas, como logo veremos, no modelo logístico o crescimento tem limite, quando . Se reescrevemos a EDO como , o termo não linear pode ser interpretado como um termo de "inibição" ou "competição" que impede o crescimento ilimitado. Na maioria das aplicações, é muito maior do que . A equação logística prevê com bastante precisão os padrões de crescimento de bactérias, protozoários, mosca da fruta (Drosophila), etc.
Solução da Equação Logística
É simples verificar que a equação logística pode ser resolvida por separação de variáveis, reescrevendo a EDO como: Agora, usamos o truque da decomposição em frações parciais. Escrevemos e determinamos os numeradores da seguinte maneira. Multiplique toda a expressão por ; logo, . Agora, substituímos nesta equação as raízes e . No primeiro caso, encontramos e, no segundo caso, de modo que a decomposição em frações parciais da EDO é: Integrando de ambos os lados: Após algumas manipulações algébricas simples para isolar : Se , com , vem que e a solução geral é, finalmente:
Análise Qualitativa
A título de ilustração, algumas soluções são graficadas.
Em primeiro lugar, no gráfico, e uma vez que uma população não fica negativa. A reta horizontal em vermelho corresponde a e, portanto, é a capacidade de suporte do ambiente.
Duas curvas são mostradas. A primeira, em azul, corresponde a , ou seja, a população inicial é maior do que a capacidade de suporte. Observamos uma diminuição da população até se estabilizar no valor da capacidade de suporte.
A segunda curva (em verde) corresponde a , isto é, população inicial menor do que a capacidade. Observamos um crescimento da população até atingir a capacidade de suporte.
Neste caso, podemos verificar também a existência de um ponto de inflexão da curva, como era de se esperar, já que a curva é crescente mas, a partir de certo ponto, se estabiliza. O gráfico sugere que o ponto de inflexão é . Na verdade, é possível mostrar que o ponto de inflexão é . Como sabemos do Cálculo, basta verificar onde a derivada segunda , o que não faremos aqui.
Exemplo 1: Propagação de Gripe em um Campus Universitário
Suponha que, após um feriado prolongado, os 1000 estudantes de um campus universitário retornam, mas um deles está com gripe. A taxa de propagação do vírus é proporcional aos "encontros" entre estudantes infectados (digamos, ) e os que ainda não foram infectados (portanto, ). Determine o número de estudantes infectados após 6 dias, sabendo que observou-se que 50 estudantes tinham contraído gripe após 4 dias.Solução
Traduzindo as informações do enunciado em temos matemáticos, temos:- taxa de crescimento proporcional ao encontro de infectados e não infectados - isto define a equação diferencial :
- inicialmente, apenas um estudante infectado - isto é uma condição inicial :
- após 4 dias, 50 estudantes estão infectados - é uma condição adicional que será usada para determinar :
Compare a EDO que descreve o problema com a Equação Logística; verificamos que a EDO que estamos tratando é a equação logística com e .
Então, não precisamos resolver a EDO já que, logo acima, deduzimos a solução da equação logística; basta tomar essa solução e substituir os valores específicos de , e : Precisamos determinar o valor da constante de proporcionalidade, ; para isso, usamos a condição adicional , ou seja: Portanto: Para determinar o número de estudantes infectados após 6 dias, basta substituir na fórmula anterior: Observe que, assintoticamente, isto é, para , concluímos que ; logo, após um tempo longo, todos estarão infectados.
Modificações da Equação Logística: Teoria
Duas modificações possíveis da equação logística são obtidas somando ou subtraindo um termo constante da equação original: Estas equações podem servir de modelo para um local de pesca no qual os peixes são, respectivamente, retirados ou inseridos a uma taxa constante . Também podem servir para levar em conta a emigração ou imigração em populações humanas.
A taxa pode, porém, não ser constante; pode ser uma função de ou pode ser proporcional à população. Neste último caso, a EDO ficaria (). Uma modificação particularmente importante porque é aplicada não só no estudo de crescimento de populações mas também no crescimento de tumores e certas previsões atuariais é a equação de Gompertz:
Reações Químicas: Teoria
Uma substância é formada quando duas substâncias e reagem. A reação química é tal que, para partes de (medida em gramas, por exemplo) são consumidas partes de . Isto significa que, se em dado instante , existem gramas de , foram consumidas gramas de e gramas de . Consequentemente, se no início da reação existiam gramas de e gramas de , no instante , as quantidades que ainda restam de e são, respectivamente, e .
A Lei da Ação das Massas estipula que a taxa ou velocidade de reação é proporcional justamente às quantidades restantes dos reagentes, e . Matematicamente, onde e . Portanto, a EDO que governa a reação química é: que é uma equação não linear e chamada reação de segunda ordem.
Exemplo 2: Reação Química de Segunda Ordem
A reação entre duas substâncias A e B que formam C é tal que para cada grama de A são consumidas 4 gramas de B. Observa-se que 30 gramas de C são formadas em 10 minutos. Determine a quantidade de C no instante se a taxa de reação é proporcional às quantidades de A e B restantes e se, inicialmente, existem 50 gramas de A e 32 gramas de B. Qual a quantidade de C depois de 15 minutos? Interprete a solução quandoSolução
Denotemos a quantidade de C no instante por . Pelos dados do problema, (inicialmente, a quantidade de C é zero) e (depois de 10 minutos, existem 30 g de C).Além disso, como a proporção é de 1 grama de A para 4 gramas de B na formação de C, se foram formadas X gramas de C, significa que foram consumidos gramas de A e gramas de B.
As quantidades restantes de A e B são, portanto, respectivamente, e .
Estamos prontos para escrever a EDO: Usando separação de variáveis e frações parciais (fica a cargo do estudante mostrar), vem: Integrando, Para encontrar usamos a condição inicial que resulta em , ou seja, .
Para encontrar usamos a condição extra ; após a substituição e algumas manipulações algébricas, obtemos . Finalmente: Substituindo , vem gramas, que é a quantidade de após 15 minutos e que queríamos determinar.
Substituindo na expressão de vemos que e a reação é interrompida deixando 40 g de C; consequentemente, após esse longo tempo, restam g de A e g de B.
Vemos, assim, que B é completamente consumida e A não tem mais com quem reagir.
As conclusões acima podem ser visualizadas no gráfico fornecido a seguir que representa a evolução . O círculo corresponde ao valor que calculamos, , mostrando que a solução "passa" por esse ponto.