PROBLEMAS A VALOR INICIAL
O que é um Problema a Valor Inicial?
Em problemas reais, frequentemente estamos interessado em obter uma solução de uma equação diferencial mas de maneira que também satisfaça certas condições adicionais prescritas, ou seja, condições que são impostas à função incógnita e a suas derivadas em um ponto específico .
Formalmente, então, podemos definir um Problema a Valor Inicial (denotado por PVI) da seguinte maneira:
Definição
Em um intervalo I contendo o ponto um Problema a Valor Inicial de Ordem n consiste em encontrar a solução de uma equação diferencial de ordem sujeita a condições especificadas em , ou seja: onde são constantes reais arbitrárias e denominadas Condições Iniciais.
Em situações práticas, resolver um PVI de ordem consiste, frequentemente, em encontrar uma família de soluções de parâmetros e, em seguida, usar as condições iniciais para determinar as constantes nesta família. Com isto, obtemos uma solução particular definida em algum intervalo I contendo o ponto inicial .
A expressão condições iniciais vem da Física onde, em muitos problemas, a variável independente é o tempo e e representam a posição e a velocidade do corpo em algum instante inicial .
Caso Particular: PVI de Ordem 1
Para ilustrar concretamente o conceito de Problema a Valor Inicial, consideremos dois casos particulares que correspondem à maioria dos problemas a serem tratados neste curso; inicialmente, o PVI de ordem 1 cuja expressão geral é: Considere a EDO de ordem 1 , cuja família de soluções é dada por .
Agora, definimos um primeiro PVI impondo a condição inicial . Substituindo e na expressão da família de soluções, determinamos a constante arbitrária para este PVI específico: Portanto, obtemos a solução particular . A seguir, definimos um segundo PVI impondo a condição inicial ; então: e a solução particular correspondente é
Os gráficos das duas soluções particulares e dos pontos correspondentes às condições iniciais são mostrados a seguir (usando o Sage).
A partir do gráfico, podemos concluir que o PVI de Ordem 1 possui uma interpretação geométrica simples: a curva correspondente à solução particular, obtida pela imposição da condição inicial, passa pelo ponto correspondente a essa condição inicial.
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Caso Particular: PVI de Ordem 2
A expressão geral de um PVI de ordem 2 é: Considere a EDO de ordem 2 , cuja família de soluções é dada por .
Agora, definimos um PVI impondo duas condições iniciais e . Como sabemos, substituindo estas duas condições iniciais na expressão da família de soluções, determinamos as duas constantes arbitrárias: A segunda condição inicial é imposta sobre a derivada de ; então, diferenciando obtemos: . Substituindo a segunda condição inicial, temos: Portanto, obtemos a solução particular . O gráfico dessa solução particular é mostrado a seguir (usando o Sage) mas, antes disto, exploremos alguns aspectos que serão importantes para estabelecermos a interpretação geométrica do PVI de ordem 2. A segunda condição inicial foi imposta como . Do Cálculo Diferencial sabemos que a derivada pode ser interpretada geometricamente como a inclinação da reta tangente à curva que representa a função, no ponto . É simples calcular essa reta: . Impondo que essa reta passe pelo ponto , determinamos o parâmetro , ou seja: . Portanto, a reta tangente no ponto é dada por . Agora, podemos traçar o gráfico da solução particular junto com a reta tangente.
A partir do gráfico, podemos concluir que o PVI de Ordem 2 também possui uma interpretação geométrica simples: a curva correspondente à solução particular não só passa pelo ponto correspondente a essa condição inicial mas, também, a inclinação da curva é igual à derivada da solução nesse ponto (dada pela segunda condição inicial)..
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Existência e Unicidade
Cientistas e engenheiros descrevem uma grande variedade de problemas reais através de um PVI. Então, é essencial que esse PVI não só tenha uma solução mas que essa solução seja única. Observe que, se existirem várias soluções, não podemos prever o comportamento futuro do sistema, o que inviabilizaria boa parte das atividades da Engenharia, por exemplo.
Em outras palavras, estamos diante de duas questões fundamentais no estudo de equações diferenciais ou, mais precisamente, de problemas a valores iniciais, as questões de existência e unicidade da solução do PVI:
- A solução do problema existe?
- Se a solução existe, ela é única?
Felizmente, para PVI de Ordem 1, podemos contar com um teorema que estabelece as condições que são suficientes para garantir a existência e a unicidade de uma solução (também existe um teorema para PVI de ordem 2, que será enunciado mais tarde).
Teorema: Existência de uma Solução Única para PVI de Ordem 1
Seja uma região retangular no plano- definida por e , que contém o ponto em seu interior. Se e são contínuas em , então existe algum intervalo , contido em e uma função única , definida em , que é solução do PVI de Ordem 1, dado por
Observe a simplicidade dos critérios do Teorema: basta que e sejam contínuas (o que é simples de verificar) para que tenhamos certeza de que existe uma solução e ela é única. Aqui, a prova deste teorema não será fornecida, mas vamos aplicá-lo a um exemplo concreto.
Exemplo
Voltemos ao PVI discutido anteriormente: . Neste caso, e , que são funções contínuas em todo o plano-. Portanto, mesmo sem resolver o PVI, podemos concluir que existe uma solução e ela é única (neste caso, o intervalo de definição é ).Comentários sobre o Teorema
As condições (de continuidade) estabelecidas pelo Teorema são condições suficientes mas não são necessárias !
Isto quer dizer que quando e são contínuas em uma região retangular sempre decorre que uma solução do PVI existe e é única. Entretanto, se as condições do Teorema não forem válidas, qualquer coisa pode acontecer. O PVI pode ter uma solução e essa solução pode ser única; por outro lado, podem existir várias soluções ou, então, nenhuma solução. Quando as condições do Teorema não valem, ele simplesmente não garante nada a respeito da existência e unicidade da solução.
Problemas a Valores de Contorno
Até agora, discutimos apenas Problemas a Valor Inicial, cuja característica principal é que as condições iniciais são prescritas em um único ponto . Por exemplo, no PVI de ordem 2, prescrevemos o valor da função e de sua derivada no mesmo ponto; com esta imposição, determinamos as duas constantes arbitrárias da família de 2 parâmetros, que é solução do PVI.
Podemos, portanto, construir uma outra classe de problemas prescrevendo duas condições em dois pontos diferentes; é outra maneira de determinar as duas constantes arbitrárias ! Por exemplo, prescrevemos e ou, então, e $y'(\pi)=1. Este tipo de condição é denominado condição de contorno. Uma equação diferencial junto com condições de contorno constitui um Problema a Valores de Contorno (PVC).
Claro que, quando a EDO é de ordem 1, temos apenas uma constante arbitrária e, assim, todos os problemas são do tipo PVI. Para EDOs de ordem maior do que 1, podemos ter tanto PVI quanto PVC e muitos problemas da Ciência e da Engenharia são formulados como PVC.